O São João do Êxodo: A Alegria que Arrasta Multidões e Expõe Velhas Feridas
- Dimas Carvalho

- 16 de jun.
- 2 min de leitura

Em junho, a Bahia pulsa em ritmo de forró. As sanfonas ecoam da capital ao sertão. As ruas se enchem de bandeirolas coloridas, fogueiras e esperança. Mas por trás da festa, existe uma corrida silenciosa — e muitas vezes angustiante — por um direito básico: o de ir e vir com dignidade.
O São João baiano é gigante. Nenhum outro estado nordestino celebra com tanta capilaridade. De Amargosa a Ibicuí, de Cruz das Almas a Senhor do Bonfim, mais de 400 municípios recebem multidões que migram da capital em busca da festa raiz, das tradições familiares e do reencontro com suas raízes culturais.
Mas com a descentralização da festa, vem também a sobrecarga do sistema de transporte. Rodoviárias lotadas, passagens esgotadas e horas de espera transformam a viagem da alegria em um teste de resistência emocional e social.
Quando ir vira privilégio e voltar se torna um pesadelo
A nossa reportagem viu filas que se estendem como promessas não cumpridas. Cidades inteiras ficam sem bilhetes disponíveis. Horários extras são esperados como bênçãos. O drama se intensifica com o retorno para Salvador: na véspera do fim do feriado, muitos não sabem como — ou se — conseguirão voltar para trabalhar, estudar, ou simplesmente retomar sua vida.
“A volta me preocupa mais que a ida”, desabafa dona Eunice, como se sua alegria fosse permitida apenas sob a condição de não falhar com suas obrigações. A frase dela, dita entre o calor e o cansaço da rodoviária, carrega o peso de milhões de brasileiros: a liberdade de festejar é limitada pela insegurança de retornar.
E onde está o direito à mobilidade plena e segura durante os grandes feriados?
Por que, ano após ano, ainda convivemos com a precariedade de planejamento para um evento que todos sabem que vai acontecer?
Será que só merecem viajar com conforto os que têm carro próprio ou cartão de crédito ilimitado?
Festejar sim, mas sem esquecer o invisível
É fácil se encantar com o brilho das festas. Difícil é enxergar o drama silencioso de quem dorme sentado na rodoviária, de quem gasta o que não tem por uma passagem de última hora, de quem é penalizado por um sistema que naturalizou o caos na mobilidade popular.
Não há festa justa enquanto houver gente desesperada por um lugar no ônibus.
Não há tradição legítima enquanto houver trabalhadores que perdem dias de salário por falta de estrutura para voltar.
O São João é patrimônio imaterial. Mas dignidade é direito material e inegociável.
"Enquanto houver gente lutando para voltar, a viagem ainda não é de todos. E nenhuma tradição pode valer mais que o direito de ir, vir e voltar com dignidade."
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Foto: Internet
Por: Dimas Carvalho – Colunista do Jornal Papo de Artista Bahia e Ativista Social.







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