"As Mãos que Moldam Histórias: A Força das Mulheres por Trás da Indústria do Charuto na Bahia"
- Nilson Carvalho
- há 8 horas
- 3 min de leitura

Na terra da resistência e das tradições, onde o tempo corre diferente e o trabalho ainda carrega alma, um exército silencioso de mulheres transforma folhas secas em símbolos de orgulho e sobrevivência. São as charuteiras da Bahia — artesãs que, com mãos firmes e corações sensíveis, moldam não apenas charutos, mas também o sustento de suas famílias, a identidade de suas comunidades e a continuidade de uma herança invisível.
Alagoinhas, Bahia.
Foi ali, em uma fazenda aparentemente comum, que a jovem Priscila Pinheiro, 23, deu os primeiros passos em uma profissão que sequer imaginava existir. Seu primeiro emprego se transformou em ofício, e o ofício, em amor. “Nunca tinha visto um charuto na vida. Não sabia nem para onde ia”, relembra. Hoje, ela é uma das milhares de mulheres que mantêm viva uma das indústrias mais tradicionais da Bahia — e também a mais feminina: a do charuto artesanal.
Com 85% da produção nacional concentrada no estado, o tabaco para charutos gera aproximadamente 5,5 mil empregos diretos e indiretos, dos quais 80% são ocupados por mulheres. Em algumas fábricas, esse número beira os 100%. O trabalho é minucioso, exige sensibilidade, precisão e, sobretudo, sentimento.
Quando o Charuto Fala pela Alma
Para Nea, ou melhor, Lucinea Bispo, 48 anos, charuteira há quase duas décadas e supervisora da fábrica Jamm Cigar, o segredo do bom charuto está no que não se vê: o estado emocional de quem o produz.
"Se a mulher não está bem, o charuto sente. Ele sai torto, desigual. Porque esse trabalho exige mais que técnica. Exige coração. Você precisa estar inteira", conta. A delicadeza exigida pelo processo — do enchimento à capeação, da classificação à embalagem — é quase um ritual, onde cada toque tem intenção.
A história recente de uma colega que perdeu a mãe e, ao tentar retornar ao trabalho, não conseguia mais manter a qualidade dos charutos, deixou isso claro para toda a equipe. “Os charutos não saíam. Demos mais 15 dias para ela. Porque não adianta insistir quando a alma está ferida”, completa Nea. Após o período de luto, a produção voltou ao normal. Desde então, a fábrica instituiu atendimentos psicológicos regulares para cuidar da saúde emocional das funcionárias.
Mais que Trabalho: Tradição, Orgulho e Existência
A história da produção de charutos na Bahia é, na verdade, a história de mulheres que resistem, criam, sustentam e educam com o que produzem entre os dedos. Muitas delas são filhas e netas de charuteiras. A tradição passa de geração em geração como um bastão invisível que carrega suor, dignidade e pertencimento.
As fábricas não são apenas espaços de produção. São territórios de identidade feminina, onde cada folha enrolada é uma declaração: “nós estamos aqui, e somos parte vital da economia, da cultura e da história deste estado.”
No chão de fábrica, a luta vai além da sobrevivência: é pelo reconhecimento, pela valorização do trabalho feminino, pela dignidade profissional e pessoal.
"Toda vez que uma mulher molda um charuto com alma, ela molda também um futuro com mais pertencimento, orgulho e história. Que o mundo aprenda a enxergar o valor invisível de mãos que constroem silenciosamente — e transformam tudo ao seu redor."
Compartilhe esta história. Porque toda mulher que trabalha com amor merece ser lembrada — e reconhecida.
Foto: Arquivo pessoal / Jamm Cigar / Sinditabaco-Bahia
Texto: Nilson Carvalho – Jornalista e Embaixador dos Direitos Humanos
Mais reportagens que tocam a alma: acesse nosso portal.
留言