
Os 50 anos do ilê Aiyê do ponto de vista dos compositores
Na segunda metade da década de 1970, quando o recém-criado Ilê Aiyê se preparava para desfilar pela avenida, um grupo de amigos do Tororó se mandou para o Curuzu a fim de acompanhar o ensaio do bloco. A aproximação da turma com o Mais Belo dos Belos aconteceu através de amigos em comum de Popó e Vovô, fundadores do bloco.
Em um boteco nas proximidades, os foliões forasteiros, que sentiram alguma animosidade na vizinhança por não serem da área, começaram a batucar na mesa. Dois deles, Cuiuba e Paulinho do Reco, eram músicos e começaram a delinear ali mesmo uma composição inspirada na festa do primeiro bloco afro da história.
"Aquele negócio dos mais jovens de antes. A gente ia compondo e escrevendo em guardanapos", lembra Paulinho, que em 1975 tinha viajado ao Rio de Janeiro como integrante do grupo Independentes do Samba, que acompanhou Nelson Rufino e Valmir Lima na gravação da lendária coletânea Bahia de Todos os Sambas.
Paulinho, que tinha começado a tocar reco-reco por casualidade, dividia o tempo entre o trabalho como servidor público da Sudesb, que cuidava da antiga Fonte Nova, e a vida boêmia, que incluía compor e cantar com os amigos.
Em um certo mês de novembro, durante uma viagem a Alagoas, onde o Ilê se apresentaria, Paulinho e os amigos começaram a cantar no ônibus a canção que tinha sido composta em um boteco do Curuzu. "No ônibus que eu estava, no meio do caminho as pessoas já sabiam cantar", lembra o músico.
Surgia assim Negrume da Noite, uma música que começa com a saudação a Oxóssi, “Odé komorodé, Odé, arerê, Odé, komorodé, odé, Odé, arerê", que Paulinho do Reco aprendera no candomblé. A letra cita ainda o Perfil Azeviche, nome da máscara criada em 1978 pelo artista visual J. Cunha, que se tornaria um dos principais ícones do Ilê.
De volta a Salvador, Paulinho do Reco e Cuiuba viram sua composição ganhar terreno entre os foliões nos ensaios e desfiles do bloco, ano após ano, mas sem que tivessem a chance de ver a música no repertório oficial do bloco.
"O cantor puxava qualquer música lá em cima do carro ou do palanque e cá em baixo o povo puxava Negrume da Noite, principalmente quem viajou. Uma coisa incrível", destaca Paulinho do Reco.
A história da música muda quando ela chega aos ouvidos de Margareth Menezes, que a gravaria no álbum Kandala, em 1991. Seis anos depois, Virgínia Rodrigues apresentaria uma versão de Negrume da Noite no disco Sol Negro.
Se a canção de Paulinho do Reco e Cuiuba se impôs depois de mais de uma década, anualmente dezenas de pessoas, de dentro e de fora da Bahia, buscam a chance de entrar para a história de um bloco que já nasceu fazendo história.
A cada ano, depois que o Ilê Aiyê decide o seu tema para o Carnaval, a caixa de e-mail da organização do Festival de Música Negra do Ilê Aiyê se enche de arquivos de áudios com músicas candidatas nas categorias poesia e tema. Este ano, foram mais de 180 inscritos, com várias candidaturas vindas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Para ouvir as músicas e fazer a triagem de quem disputaria a final foi designada uma equipe de seis pessoas. Os candidatos haviam recebido previamente às inscrições uma apostila com o que deve e o que não pode estar presente na composição. "Antigamente, a gente recebia as fitas e CDs aqui na sede e uma equipe ouvia o material", lembra Sandro Teles, um dos coordenadores do festival.
As músicas pré-selecionadas são apresentadas a um corpo de jurados que decidem quais vão disputar a grande final. "Os pesquisadores do Ilê fazem um levantamento de dados sobre o tema do ano e nós enviamos aos inscritos para que eles possam se inspirar", afirma Sandro.
O festival escolhe as três primeiras colocadas em duas categorias, tema e poesia. "A categoria poesia trabalha muito a questão do resgate da autoestima, da valorização e do orgulho do povo negro", explica o presidente do Ilê, Antonio Carlos dos Santos, o Vovô. O festival não aceita músicas com cordas, só percussão.
Este ano, a música-tema vencedora foi Harambee Ilê, de Sid Mancini, Wostinho Nascimento, Fidel Cobra e Damásio. Na categoria poesia, venceu Bamburucema no Ilê, de Juninho Magaiver e Rosselini Leite.
Mas, às vezes, as músicas que vão marcar mais profundamente a trajetória do bloco não vencem o festival e triunfam por outros canais. O autor da música Deusa do Ébano, o dentista Geraldo Lima, por exemplo, tinha um foco maior nos chamados blocos de índios.
Mas, um dia, uma mulher negra desconhecida atravessou o caminho do dentista Geraldo Lima, no Centro. Foi a inspiração para escrever Deusa do Ébano. "Originalmente, eu não escrevi para o bloco. Mas tem um verso que termina em você, que chama a rima com Ilê, conta compositor.
Reportagem completa no link abaixo:
Por Gilson Jorge
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